Discussão
Os dados indicam que a mordedura de mosca pode ser causada por um distúrbio médico subjacente, sendo a doença gastrointestinal a mais comum. Em casa, 3 cães (cães 1, 2, e 4) apresentaram consistentemente mais mordeduras de mosca após a alimentação sugerindo um potencial desconforto pós-prandial. O cão 1 apresentou picadas de mosca durante a hospitalização dentro de 30 minutos após ter sido alimentado. Os dados da análise do vídeo mostraram que em todos os cães que picam moscas, o estalar da mandíbula foi precedido pela elevação da cabeça e extensão do pescoço. Em 2 cães, a elevação da cabeça e a extensão do pescoço ocorreram com mais frequência do que o estalar da mandíbula. Os cães 3 e 6 apresentaram repetidas levantamentos da cabeça e extensão do pescoço durante a consulta. Em vídeos caseiros, assim como vídeos de consulta e hospitalização, todos os cães levantaram a cabeça e estenderam o pescoço antes de morderem a mosca.
Alevantamento da cabeça e extensão do pescoço nos cães pode ser semelhante à síndrome de Sandifer, uma rara desordem de movimento paroxístico em bebês caracterizada por movimentos anormais da cabeça, pescoço e tronco em associação com a doença do refluxo gastroesofágico (RGE) (12-14). Um dos 5 sintomas clínicos relatados usados para distinguir entre bebês saudáveis com RGE e aqueles que sofrem da doença de RGE é a presença de extensão do pescoço, arco para trás e retração da cabeça (15). Os lactentes têm frequentemente retrocollis e postura opisthotónica, enquanto as crianças mais velhas têm movimentos da cabeça de um lado para o outro (12). Pacientes com síndrome de Sandifer, especialmente bebês, são frequentemente mal diagnosticados devido à ocorrência de neurocomportamentos paroxísticos, como a versão cabeça/olhos, torcicolo, espasmo extensor e postura distônica (16). Os primeiros sinais da síndrome de Sandifer muitas vezes se assemelham ao torcicolo ou distonia, portanto, a avaliação precoce se concentra nas etiologias neurológicas (12,14). As crianças recebem medicações desnecessárias e, mais importante, não recebem tratamento primário para a doença RGE (16). Os movimentos da sandifer são frequentemente precipitados pelas refeições, ao contrário de outros distúrbios de movimento (12,14). Outras condições como o esvaziamento gástrico tardio quando associadas à doença de RGE também podem resultar em posturas anormais, como as observadas na síndrome de Sandifer (12). Ainda não está claro porque menos de 1% das crianças com doença de RGE (14) apresentam movimentos anormais e outras não (12). Acredita-se que os movimentos anormais são comportamentos aprendidos pelas crianças para reduzir o refluxo (12), bem como proteger as passagens de ar do refluxo e aliviar a dor abdominal causada pelo refluxo ácido (16,17).
Uma pessoa pode imaginar que alguns cães que mordem moscas levantam a cabeça e estendem o pescoço por causa do desconforto ou dor do esôfago. O refluxo gastroesofágico foi observado na endoscopia em cães 1 e 5. Em humanos, as quebras endoscopicamente visíveis na mucosa distal do esôfago são a evidência mais confiável de esofagite de refluxo. No entanto, a doença RGE significativa também pode estar presente na ausência de lesões macroscópicas do esôfago (18). A presença da doença de RGE não foi mais investigada nestes cães uma vez que requeria estudos de pHmetria ou cintilografia que não estavam disponíveis.
Sinais de dor e ansiedade podem se sobrepor. Panting, pacing, agitação, esconder, e vocalizar podem ser vistos em pacientes caninos dolorosos e ansiosos. Quatro cães (cães 2, 3, 4, e 7) apresentaram alterações comportamentais compatíveis com a ansiedade (andar, ofegar, esconder-se, procurar maior atenção) juntamente com os episódios de mordedura de moscas. O cão 3 andou continuamente durante toda a avaliação comportamental. O tratamento da condição médica subjacente resultou no desaparecimento dos sinais de ansiedade, assim como das extensões do pescoço e dos comportamentos de mordedura de mosca para os cães 3 e 4. Todos os pacientes que inicialmente podem se apresentar como “ansiosos” devem, portanto, ser avaliados para dolorosas condições médicas viscerais.
Dados que abordam especificamente a mordedura de mosca em cães são escassos. Em 1962, McGrath (19) associou a síndrome de “quebra de mandíbula” com doença ocular (vítrea). Pensava-se que o cão poderia ter flutuações (cintilantes sinquíticos) ou opacidades móveis causando o comportamento de “morder” a mosca. Nenhum estudo para substanciar esta possibilidade foi feito. Em 1972, Lane e Holmes (20) relataram a captura auto-induzida de moscas em 7 cavalier King Charles spaniels. Os autores examinaram 2 dos cães e receberam comunicações pessoais sobre os outros 5 cães. A idade de início do comportamento variou de 8 a 18 meses (em contraste com 6 meses a 10 anos, nesta série de casos) sem predisposição de gênero. Estes autores concluíram que seria indicada uma investigação mais aprofundada dos casos de mordedura de mosca com eletroencefalografia radioelétrica. Tal estudo nunca foi realizado. Em 1979, Cash e Blauch (21) relataram 8 casos de mordedura de mandíbula em várias raças. A idade de início do comportamento variou de 1 a 11 anos. Períodos de remissão espontânea foram relatados e duraram de menos de 1 semana a 5 meses. Os períodos entre as remissões variaram de 1 semana a 2 anos. Além do estalar da mandíbula, as mudanças de comportamento observadas incluíram lamber as patas (n = 4), lamber as patas e o chão adjacente (n = 1), tornar-se fraccionário (n = 1), tornar-se fraccionário correndo contra objectos e deitar-se no quintal a chorar (n = 1), comer lama antes de mostrar o estalar das patas e seguir o dono em todo o lado (n = 1). Resultados diversos (24) em 2 ou menos destes cães incluíram corioretinite, grandes convulsões malignas e aumento do estalar da mandíbula quando nervoso. Drogas como fenobarbital, primidona, diazepam, difenilidantoína e combinações não tiveram sucesso, embora os detalhes das dosagens e duração do tratamento não tenham sido especificados. Nesta série de casos, os cães 5 e 7 exibiram, antes do estudo, remissões espontâneas e 4 cães (cães 2, 3, 4, e 7) apresentaram alterações comportamentais (agitação; ansiedade), além da mordida da mosca. Os cães 2, 3 e 4 não responderam aos tratamentos farmacológicos anteriores: fenobarbital (cães 3 e 4), medicação psicotrópica como clomipramina e fluoxetina (cão 2) e medicação para dor neurogênica (cão 2). É possível que no cão 2 (Chiari e gastrite eosinofílica), o uso de pregabalina tenha diminuído a dor associada a ambas as condições sem tratar especificamente as causas subjacentes.
Em 1987, foi relatado um caso de picada de mosca num cavaleiro King Charles spaniel em que a picada de mosca (duração: 5 mo) cessou após uma mudança de dieta para tratar a flatulência (7). Experiências posteriores com comida revelaram que o cão tolerava peixe e leite. Se carnes vermelhas, aves, ou coelhos fossem alimentados, os problemas comportamentais se repetiam (o cão se excitava e pulava em moscas imaginárias dentro de uma hora depois de comer). Similarmente nesta série de casos, vários cães exibiram mais moscas mordendo após as refeições e responderam às mudanças de dieta (+/- medicação). Entre humanos, 1 relato de caso cita hipersensibilidade alimentar em uma criança de 8 meses com distúrbios alimentares, dermatite atópica e síndrome de Sandifer (22).
Nos anos 90, “mosca estalando” foi relatado como sinal de epilepsia psicomotora associada a timoma metastático em um cão (23). Um documento escrito em 2000 pelo neurologista veterinário O’Brien, e ainda disponível na Internet (http://www.canine-epilepsy.net/flybite/flybite.html), descreve a picada de mosca como um tipo de convulsão parcial complexa. Morder mosca também é descrito como um transtorno compulsivo (CD) (2,6) ou um transtorno obsessivo compulsivo (TOC) (5). A condição (“DC”) como entendida atualmente não é homogênea (24) e mais trabalho é necessário para validar o diagnóstico (6).
Na maioria das publicações, as causas listadas de mordida de mosca são teóricas. Esta série de casos prospectivos é o primeiro passo para coletar informações após a avaliação médica desta síndrome. Os dados indicam que a picada de mosca pode ser causada por um distúrbio médico subjacente, sendo a doença gastrointestinal a mais comum. Os autores sugerem que o termo “picada de mosca” seja substituído por síndrome de “extensão do pescoço”. Isto elimina uma interpretação antropomórfica, permitindo uma abordagem mais científica. A relação causal entre o desconforto gastrointestinal e a síndrome de extensão do pescoço requer uma investigação mais aprofundada.